NÃO SOU GAY - CAP. 29

Passava do meio dia e eu estava sentado em uma sala pequena, com um guarda na minha frente. Meu estômago doía de tanta ansiedade. Eu sabia que já tinha passado pelo mais difícil, sentar como réu perante a corte do tribunal. Contudo ainda com o estômago estranho, que coisa! Minhas mãos tremiam e o suor juntava por todo o corpo. Eu estava esperando a sentença do juiz. Assim como Marcus.

Ficamos na mesma sala, ouvindo o juiz, advogado e todas as outras pessoas que participaram, entretanto não conversamos e novamente fomos separados um do outro.

"Fique sereno, meu caro jovem, o juiz não tem provas contra vocês. Perfazemos toda essa burocracia para livrá-los de um presumível envolvimento no julgamento de Thales e Kamylla, o caso deles é de deixar qualquer indivíduo de cabelos em pé!" Comentou o irmão da Profª Dorota. Seu nome era Pablo, mas até então só tinha ouvido Dorota o chamar assim, o restante das pessoas se dirigiam a ele como doutor, senhor ou advogado Sanches

Era um homem de idade avançada, cabelos brancos, terno avantajado na cintura, óculos de armação metálica, simples e discreta. Sentia como se Pablo fosse um tio o qual poderia contar qualquer travessura que ele iria liberar-me do castigo da mamãe.

Ofereci um sorriso educado para ele. Logo depois fiquei sozinho na minha sala, isso é, sem contar o guarda que pouco me olhava.

Passaram-se muito minutos antes de eu ser chamado novamente na sala onde fui julgado. Estava mais tranquilo agora, meu advogado disse previamente para mim que a causa estava ganha.

Depois de sentar-me cara a cara com o juiz, ele absorveu-me de qualquer penalidade que o crime de Thales e Kamylla pudesse me infringir. O mesmo era valido para Marcus. Éramos homens de bem livres!

Sabia que não poderia gritar em comemoração dentro do tribunal, mas quis sair voando e brilhando no céu como um arco-íris. Depois de cinco dias presos injustamente, estávamos livres!

"Muitíssimo obrigado, excelentíssimo juiz" Pablo agradeceu com a voz cantada. Ele sorria como eu.

Thales e Kamylla iriam continuar presos. E isso era, sem dúvida, o que me deixava mais feliz naquele momento.

"Eu tinha total confiança que tudo iria findar bem" cantou a professora Dorota quando saímos do prédio. Ela estava ao lado do seu carro no estacionamento. Usava a habitual roupa formal, saia, blusa e salto plataforma, preto.

Mais adiante estava o carro dos pais de Marcus, eles não puderam entrar, assim como a Profª Dorota, contudo não pareciam muito animados para ver o filho, pois não vieram correndo até ele. Marcus olhou um longo tempo em direção aos pais, parecendo triste e depois olhou para mim.

"Podemos conversar, em particular, Rafael? " Indagou ele, pegando no meu braço e me segurando perto do seu corpo.

Olhei para Dorota que fez um aceno positivo com sua cabeça castanha. Ela precisava conversar com o irmão.

Acompanhei Marcus pelo estacionamento, que não era muito grande. Ele estava andando na minha frente em silêncio. Não parecia feliz, mesmo depois que saímos da cadeia. Olhei para ele com mais atenção, seu rosto estava diferente do pequeno campeão estadual que eu conhecia e amava. Os olhos não tinham mais a arrogância de sempre, os lábios não formavam o sorriso tão familiar para mim. As roupas que usava estavam em péssimo estado, o cabelo despenteado e os olhos estavam com grandes manchas em volta.

Eu não tô melhor qui ele, pensei.

"Rafael, você está bem? " Indagou Marcus, olhando para mim do mesmo modo que o olhei segundos antes.

Suspirei lentamente antes de responder.

"Não estou bem" dei um sorriso totalmente sem graça, pensando em tudo que havia acontecido a nós. "Como posso estar bem?".

Por um segundo Marcus pareceu querer responder a minha pergunta, mas seus lábios simplesmente se selaram e ele me encarou silencioso. Eu fiquei com muito medo de que um de nós não conseguisse sair daquela situação lastimável. Prometi a mim mesmo que quando visse Marcus iria pular nos braços dele e o beijar, depois, ou entre o beijo, iria dizer que o amava.

Agora lá estávamos nós, um na frente do outro, sem grades, sem guardar ou paredes nos separando. Olhava para ele e vice-versa. Ninguém pulou nos braços de ninguém.

Apesar de sairmos vitoriosos da batalha, sabíamos que a guerra estava apenas no começo e toda a luta havia consumido nossa alegria.

Marcus de repente se aproximou de mim, ele segurou na minha mão e fixou o seu olhar no meu. O gesto precedia um beijo, mas esse nunca aconteceu. Ao invés disse, ele sussurrou:

"Rafael, Dorota me pediu para não te contar nada, mas eu não consigo mentir para você. Então, vou contar logo... seus pais não te querem na casa deles" a voz de Marcus morreu quente e baixa no meu ouvido.

Fiquei olhando para ele, a seriedade em seus olhos verdes.

De repente me senti como naquele primeiro dia que encontrei Marcus no ponto de ônibus, ele simplesmente me abraçou e não proferiu nenhuma palavra doce ou reconfortante. Não precisava, apenas seu abraço já era o suficiente.

Ao sentir seus braços se fecharem ao meu redor, colando nossos corpos em um ato amigável e reconfortante, senti todo o estado de pânico que consumia o meu ser ir se dissolvendo. Lá no fundo, depois de todas as desgraças, só me restavam lágrimas. Eu as soltei, sem medo, enquanto abraçava Marcus.

"Aqueles malditos vão me pagar" solucei no ombro de Marcus. Meu príncipe.

Marcus segurou no meu queixo, olhando para mim. Ele me fez encará-lo diretamente nos olhos. "Sou teu melhor amigo, não sou Rafael? " Confirmei com a cabeça enquanto passava as costas da mão no nariz. "Você ainda me tem e não precisa se preocupar, nunca vou te deixar sozinho". Marcus apoiou a cabeça no meu peito. "Quero ser sempre o teu melhor amigo".

Foi a minha vez de ficar em silêncio, refletindo sobre as palavras de Marcus. Ele estava ali naquele momento para me apoiar e não deixar-me cair no chão. Melhores amigos....

"Marcus, se afaste dele, agora" ouvi a voz de um homem ecoar atrás de mim.

Automaticamente Marcus me soltou e ficou encarando o pai. Esse estava com a expressão mais feia possível, enquanto desprezava o nosso abraço com o olhar.

"Vai pro carro, sua mãe já passou vergonha suficiente, não precisamos que fique se abraçando com essa coisa... com ele em público. Me obedeça e vai agora! ".

Empurrei Marcus discretamente na direção do pai. Não queria criar confusão para ele. Disse um inaudível "tchau" quando ele se afastou de mim.

Fiquei ali parado, olhando Marcus e o pai irem embora.

As coisas estavam começando a fazer todo o sentido para mim. Eu estava sozinho, e Marcus ainda tinha sua família. Mesmo que tivesse escrito em algum lugar sagrado que nós dois deveríamos ficar juntos no final, acima de tudo, eu não iria pedir para ele se afastar da família.

Sabia exatamente o que deveria fazer, e como fazer.

Limpando a última lágrima que obstinava-se em cair pelo meu rosto, olhei para Marcus pela última vez na vida e virei as costas, andando em direção contraria a ele, e a Profª Dorota. Eu não iria causar mais problemas para ninguém. Segui pela calçada, sentindo o sol se pôr e ficar mais frio sob minha pele.

Daquele momento em diante eu estava sozinho.

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