NÃO SOU GAY - CAP. 27
Dentro de um pequeno quarto escuro,
havia um jovem rapaz sorridente. Sua pele morena estava suando, efeito do local
fechado e com pouca circulação de ar. Entretanto lá estava seu sorriso, fiel. O
rapaz usava uma camiseta preta, igual sua calça e sapatos. A ocasião exigia uma
vestimenta similar à de um ninja.
O rapaz, que entrou escondido na sala
de projeção e trancou a porta com uma cadeira, deslizou a mão pela testa
molhada. Que caralho de calor fazia ali dentro.
"Vai valer a pena" disse
para si mesmo. A descontração estava a tal nível que ele cantarolava uma música
de sua autoria. "O mau é um bem necessário... seremos o novo
apocalipse..." e assim era a letra fragmentada em sua voz rouca. A batida
era forte, a voz tinha que ser ainda mais imponente. Ele sonhava com uma vida
de estrela do rock. É claro que se isso não desse certo já havia aquele convite
para participar de uma produtora de filmes porn.
Filmes porn! Ele tinha o perfil ideal
para ser um ator de primeira. Alto, corpo em dia com sua academia, um pau
enorme, enorme mesmo, capaz de provocar uma onda de calor no meio das pernas da
produtora peituda que pediu para ver seus documentos. Sim, senhor. Se tudo
desse errado ele seria o novo porn star do site.
Thales olhou para o celular, o facebook
acabava de mandar-lhe uma notificação de sua comparsa. Ela avisou que a galinha
já estava no ninho. "Perfeito" ele sorriu com maldade.
O rapaz começou a ligar todos os
aparelhos que estavam em sua frente. Apesar de ter visto o filme um milhão de
vezes, o coração negro batia mais forte, ao imaginar a cara de todas as pessoas
assistindo. Seria a melhor coisa do mundo.
Tudo isso era graças a universitária
sem peito que editou o vídeo como uma verdadeira profissional. Ela não cobrou
muito, cinquenta reais e uma noite com o negão bem dotado em troca do filme que
estava prestes a começar.
A última gota de suor caiu pelo rosto
de Thales antes dele apertar o botão vermelho. Dando início a projeção
inesperada por todos, salvo Kamylla, que estava no palco passando informações.
Depois de alguns segundos lá estava
sua obra prima. Rafael apareceu na frente de todas as pessoas chupando o seu
pau. Mas é claro que o rosto de Thales não aparecia, isso permitiu a nerd fazer
um trabalho ainda melhor. Era fascinante como ela conseguiu colocar a voz de
Marcus por cima da dele.
A festa começou bem quente. Mesmo
dentro da sala super aquecida, Thales ouviu a voz em protesto de centenas de
pais e mães. As crianças todas ali para ver Peter Pan e acabaram vendo Porn
Pan! Era de morrer de rir.
A coisa ficou séria quando alguém
esmurrou a porta. Exigindo que Thales abrisse. Ele permaneceu sentado, sabia
que o que iria acontecer, e estava disposto a pagar qualquer preço. Nada é mais
alto do que a vingança.
Depois de alguns minutos, quando a
obra prima de Thales chegou na melhor parte: ele gozando horrores na boquinha
de seda de Rafael, a tensão na porta atingiu o seu ápice e ela veio abaixo, com
a cadeira indo pro caralho.
Thales não conseguiu esconder o
espanto que sentiu ao ver um esquadrão da polícia adentrando no local com armas
em punho. O garotão esperava meia dúzia de homens velhos e pais nervosos, não a
polícia armada até os dentes. Isso era novidade. Contudo ele permaneceu onde
estava, até ser escoltado algemado para uma sala, nos fundos do teatro, onde
uma grande placa reluzia a palavra ADMINISTRAÇÃO no portal de uma porta de
lata.
Ele foi jogado em um banco, as
pessoas estavam todas nervosas, jurando matar a pessoa responsável por tudo
aquilo e o prostituto que havia aparecido no vídeo, mas ninguém o reconheceu.
Na verdade ninguém sabia que o grande plano era de Thales. Um gênio, na sua
opinião.
***
Rafael estava em uma sala muito
pequena e abafada, com cheiro de barata, possivelmente era um armário de vassouras.
Ele suava feito um enfermo em estado terminal. O figurino estava colado
desagradavelmente em sua pele. O suor era proporcionado por toda a expectativa
do que estava por vir. Merda, ele sabia que estava completamente ferrado. O
olhar na expressão das pessoas denunciava isso.
Depois de deixar o palco vestido de
Peter Pan a diretora abordou Rafael, apenas ele, deixando Teylon para trás. Ela
o levou diretamente para aquele armário de vassouras dizendo rapidamente:
"Pelo amor de deus, não saia daqui enquanto eu mesmo não vier buscar por
você. Acho que alguns pais teriam capacidades extremas de violência". O
rosto da diretora era de espanto, nojo e confusão misturando tudo com um toque
surreal. Ela sabia que o próprio Rafael não tinha absolutamente nada a ver com
aquela bagunça dos infernos. Pobre garoto, teve a vida destruída em segundos.
Agora lá estava ele, sentado no chão.
Não chorava e nem ao menos se dava conta disso. As coisas estavam tão fora de
controle e eram tão irreais que chorar nem passou pela sua cabeça. Tirando o
celular do bolso, que não parava de vibrar, Rafael testemunhou como a notícia
já estava no facebook. Seu nome talvez fosse o mais citado da cidade naquele
momento. Mil pessoas o marcavam, ele não conseguia acompanhar o fluxo de notificações
que chegavam. EVERTON ENVIOU UMA NOVA MENSAGEM. LAURA COMENTOU EM SUA FOTO.
LUIZ FELIPE MARCOU VOCÊ E MAIS TRINTA AMIGOS EM UMA PUBLICAÇÃO. PEDRO COMENTOU
NA SUA LINHA DO TEMPO. BEATRIZ, PABLO, LEANDRO, THEODORO REIS E MAIS OITENTA
PESSOAS ENVIARAM SOLICITAÇÃO DE AMIZADE. THAIS COMENTOU NA SUA LINHA DO TEMPO.
E a lista continuava. Rafael parou de ler e jogou o celular longe.
Buda, o que estava acontecendo? No
mesmo instante que pessoas mandavam mensagens do tipo "seu viado
nojento", "todos os veados deveriam morrer, seu podre" outras
cinco mandavam mensagens do tipo "quero que me chupe daquele jeito",
"tenho um pau maior do que o do Marcus (a pessoa enfiou uma foto)",
"quero te comer seu viadinho dlc". E assim foi sua estreia como
homossexual assumido.
Rafael não nasceu gay, nem ao menos
se descobriu. Naquele momento ele estava estreando para o mundo inteiro. A
revelação mais bafão de todas, comentou Fabrício para Helena e Teylon. Os três
estavam tão abalados quanto Rafael com o filme, mas felizes por finalmente o
amigo se revelar. Teylon, por ser o melhor amigo de Rafael, foi um dos mais
comentados em toda a confusão.
As fofocas iam desde ele ter filmado
o pequeno porn a ele ser namorado de Rafael.
O garoto preso no seu quartinho pegou
o celular e viu a hora. Passava da meia noite e ninguém havia ido buscá-lo.
Isso só poderia significar que a coisa estava mesmo séria.
"Eu quero sumir daqui",
murmurou Rafael dando um pulo e se levantando. Ele correu até a porta, mas para
seu asar e surpresa, essa estava trancada a chaves. "Merda".
***
Kamylla não parou de rir, mesmo
quando dois policiais a identificaram no meio dos outros atores e a levaram
algemada para a mesma sala que Thales estava. Kamylla sabia que estava
protegida de qualquer penalidade por ser menor de idade e ria como se o mundo
fosse acabar sob seus pés e estivesse rindo o que nunca riu ou o que nunca iria
rir de novo.
Realmente a garota não se importou
com a abordagem policial. Foi de bom grado para onde eles a levaram. Meu buda,
como ela ria da situação! Mal sabia ela que a leia no seu caso seria duramente
levada à risca e seria julgada como maior de idade e responsável por seus atos.
Depois de passar pela placa
ADMINISTRAÇÃO, ela encontrou seu amante sentado em uma cadeira com aparência
dura. Os policias a deixaram ao lado dele, dois homens ficaram ao lado,
vigiando.
"Não acredito que
conseguimos!" ela gritou em uma explosão feliz. As pessoas ao lado logo
começaram a reparar nos dois. "Eu achei mesmo que não iria dar certo, mas
sabia que você iria conseguir. Somos os mais fodas dessa porra!".
Thales estava calado desde que
chegou, aproveitando o anonimato, e a besta estava fodendo com tudo.
"Cala-a-porra-da-boca-Kamylla"
disse Thales entre dentes. Nervosos com os olhares que alguns pais estavam
lançando para a confusão.
"Eu colocaria aquele vídeo de
novo" ela ignorou o alerta de Thales e continuou.
Uma mulher, de idade avançada, se
aproximou como um leão atacando uma presa fácil e enterrou a palma da mão no rosto
de Kamylla, ela se calou e parou de rir, finalmente. A senhora não se contentou
com apenas um tapa, logo deu mais alguns.
Outras pessoas começaram a se juntar
em volta dos algemados. A força policial chegou com energia total e impediu que
eles fossem linchados ali mesmo.
***
As mãos de Marcus tremiam como ele
nunca sentiu na vida. Talvez quando a irmã mais velha estava na sala cirúrgica
lutando para sobreviver a um câncer. Não, o que aconteceu naquele dia com
Sabrina era uma coisa totalmente diferente. Ele suava quente e o estômago
estava nervoso como o primeiro campeonato de natação. Agora as mãos estavam
geladas e tremiam.
Ao contemplar o vídeo e o som de sua
voz, Marcus, sem consciência, começou a esmagar as duas flores que segurava em
sua mão. Ele só percebeu que estava com aquilo entre os dedos, o que um dia
foram rosas, tarde mais. As mãos dele já estavam sangrando. Ele jogou as
plantas destruídas no chão e se levantou para ir até Rafael. Sabia que o amigo
estaria em grandes problemas.
Ele mal retirou-se de fileira, as
pessoas já se levantavam causando engarrafamento humano, e seus pais o
prenderam por um braço. A mãe olhou para o filho como se ele fosse uma
aberração. O pai não disse nada. Estava quase vomitando de desgosto. Nunca imaginou
ver o pau do filhinho, ainda mais ver outro cara com a barba por fazer sugando
o cacete do Marquinhos. Aquilo tudo era uma merda.
"Não me diga porcaria
nenhuma" impôs o pai, impaciente a possíveis explicações. "Vamos para
casa".
"Se sua irmã ainda estivesse
viva teria morrido de desgosto" comentou a mãe, sem olhar para a cria, que
andava ao seu lado apresado. Marcus se obrigou a sorrir irônico.
Ele sabia que a irmã tinha uma
namorada no primeiro ano do ensino médio, mas largou a garota no segundo ano
para ficar com um jogador.
Agora não era hora de revelações
dessa categoria. O nível de desgraças já tinha atingido o seu limite.
A família já estava na porta,
atropelando e sendo atropelados, quando uma grande frota policial entrou no seu
caminho, bloqueando a passagem dos três.
"Por favor, senhores, pedimos
que nos acompanhe" disse o policial, um homem branco e de porte físico bem
tonificado, responsável por levar Marcus a ala de ADMINISTRAÇÃO.
"O caralho que vão me prender
contra minha vontade" berrou o pai de Marcus, o bigode loiro ficou
arrepiado. Ele era um homem baixo, de sangue Russo e estava sempre disposto a
cometer loucuras que só os russos são capazes.
"Senhor, não nos obrigue a usar
da força física e devo lembrá-lo que desacato é punido com dois anos de
cadeia" disse uma mulher negra e corpulenta, categoricamente. Ela colocou
a mão em sua arma de choque Taser preta, olhando para os três.
Marcus ficou mais perto da mãe. Já
tinha passado vergonha suficiente, não precisava que o pai bêbado provocasse
mais por aquela noite.
"Vão se foder" gritou o
russo bigodudo e se jogou em cima dos policiais.
A policial tirou a arma mais rápida
do que o próprio Batman, observou Marcus, e apertou o gatilho. Um corpo velho
foi para o chão como um saco de batatas.
"Devo insistir que nos
acompanhe" repetiu o primeiro policial pegando o braço de Marcus, o
forçando a seguir caminho.
Lá atrás meia dúzia de uniformizados
traziam o corpo do seu pai, com a mãe dele logo atrás, chorosa.
***
Aquela noite estava mais longa do que
eu poderia imaginar que uma noite de balada ficasse. A diretora apareceu no
quartinho de vassouras mil anos depois para me buscar. A administração do
teatro estava igual o meu facebook, cheio de gente conversando ao mesmo tempo.
Suspirei fundo, sabendo perfeitamente
que eu, mesmo não querendo, era o centro de tudo aquilo.
Entrei na sala da diretora com uma
surpresa enorme. Lá dentro já estava uma Kamylla suja do próprio sangue, e
Thales, com olhar arrogante em mim. Suspirei novamente, não iria causar mais
nenhum escândalo. E, em tudo caso, havia dois policiais armados na sala.
"Sente-se aqui, por favor"
instrui-me a diretora, tendo a gentileza de me colocar o mais afastado possível
dos canalhas.
Ao me sentar, ouvi a porta se
abrindo. Meu pai e minha mãe entraram, seguidos de dois policiais que saíram ao
deixá-los acomodados em um canto da sala. O local logo foi ficando mais
parecido com o armário de vassoura, sem espaço para acomodar tantas pessoas.
Percebi também, com a porta aberta, que lá fora as pessoas conversavam muito,
assimilando o barulho com milhares de abelhas voando.
O último a participar da nossa
festinha foi Marcus. Chegou com uma verdade escolta de tiras. A maioria trazia
um corpo que eu sabia ser seu pai. Já tinha visto várias fotos dele com Marcus
no facebook.
"Rafael, você está bem?"
indagou Marcus, quebrando o silêncio mortífero.
"Marcus, não chegue perto dessa
abominação" gritou uma mulher que só poderia ser a mãe dele, ela levou
Marcus para o outro extremo. Fiquei olhando para ele e disse um "sim"
com a cabeça.
"Sra. Paris, por favor, já
tivemos desordem demais. E seria uma grosseira algum desses oficiais
competentes levarem a senhora acusada de preconceito, injúria ou difamação. O
que eu nunca admiti e nunca irei admitir no meu teatro. Então, peço que a
senhora, encarecidamente, se desculpasse com o Rafael".
Ao ouvir isso, a megera me olhou como
se tivesse me pegado na cama com o marido dela. E de fato isso não teria
provado tal indignação na velha.
"Foi mal ae" ela usou a
gíria de propósito! Velha sabida, não queria se rebaixar ao nível de pedir
desculpa.
Meus pais, do outro lado, não me
defendem como a diretora. O máximo que fazem é chorar, minha mãe, e evitar
olhar para mim, meu pai. Eu sabia que todo esse deus-nos-acuda iria resultar em
algo similar.
"Agora que estão todos aqui, eu
passo a palavra para o delegado Lee" disse a diretora.
O policial perto da porta, um chinês
com idade para ser meu tio, deu um passo à frente. A farda estava apertada do
seu peito estufado e orgulhoso.
"Acredito, em minha humilde
opinião, que muitos aqui não conheçam a lei de venda, exposição e exibição
públicas de material pornográfico e obsceno. Por isso, com sua licença,
gostaria de ler a lei citada anteriormente" o policial chinês falava com
muita formalidade, como se o nosso problema fosse mais um em seu dia de
trabalho.
A policial loira atrás dele deu um
passo à frente e entregou uma folha para o chefe. Ele limpou a garganta com um
pigarro e começou a ler alto e em bom som.
Lei n.º 10/78/M
de 8 de Julho
VENDA, EXPOSIÇÃO E EXIBIÇÃO PÚBLICAS
DE MATERIAL
PORNOGRÁFICO E OBSCENO
Artigo 1.º
(Ilícito)
1. É proibido afixar ou expor em
montras, paredes ou em outros lugares públicos, pôr à venda ou vender, exibir
[...] filmes, e em geral quaisquer impressos, instrumentos de reprodução
mecânica e outros objetos ou formas de comunicação audiovisual de conteúdo
pornográfico ou obsceno.
Artigo 4.º(Penalidades)
1. A infracção do disposto na
presente lei fará incorrer os seus autores em pena de prisão até 10 anos e
multa correspondente.
Artigo 5.º(Denúncia)
É dever das autoridades e agentes
policiais e faculdade do cidadão denunciar a ocorrência dos atos proibidos pela
presente lei.
Depois que o policial terminou de
ler, foi lhe dado um copo com água gelada. Ele olhou para nos com a mesma
frieza do gelo que estava em seu corpo.
"Acontece, senhores" ele
estava falando com Thales, Kamylla, Marcus e eu. "Que esse teatro é um
edifício público sem autorização para exibição de conteúdo pornográfico e
também ocorre que minha delegacia não para de receber denúncias de civis, que,
devo ressaltar, estão em seu pleno direito da denúncia. Por meio dessas
denúncias chegamos em tempo de registar o crime como fragrante" ele
devolveu o papel para a loira e se aproximou ainda mais de nós.
Sentia que a merda estava apenas
começando, e já começava bem fedida.
"Queiram me acompanhar Marcus,
Kamylla, Thales e Rafael, os senhores estão presos".
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