NÃO SOU GAY - CAP. 14

    O primeiro ensaio do teatro terminou perfeito. Tosos nós estávamos felizes ali. Camylla não me irritou tanto enquanto estávamos no palco, na verdade esqueci de tudo que sabia sobre ela. Eu era apenas o Peter, e ela a Wendy. O legal do teatro, quando se levava o assunto a série, era que você poderia ser outra pessoa. E devo confessar que adorei ela sendo outra pessoa no palco. Tudo foi perfeito.

Desci o palco e fui conversar com a diretora, com todo o restante dos outros alunos. Ela escreveu várias anotações, de como nos portamos e o que deveríamos exiliar no nosso comportamento. Na anotação que ela me deu estava escrito “ser menos feminino, mas não tanto, deixe o personagem um pouco afeminado, mas não ao extremo”. Fiquei olhando para o papel suado e pensando em como conseguiria ser afeminado, mas não ao extremo. Era um pedido difícil, mas era exatamente sobre isso que se tratava os ensaios: nos aperfeiçoar.

“Por hoje estão dispensados” disse a diretora, sorrindo para todos. Ela parecia cansada. Eu sabia, por meio de fofoca, que ela trabalhava em uma agência durante o dia e a noite ia para o Teatro Municipal, realizar seu sonho de dirigir peças. Ter dois empregos a cansava, seu rosto já não era tão jovem como eu a conheci, quando era apenas uma criança chorona. Ela tinha no rosto uma expressão cansada. Coitada. Embora cansada, ela sorria e era gentil com todos.

“Meu pai está me esperando, quer ir com a gente?” indagou Teylon, quando nos encontramos na saída. O cabelo ruivo dele estava suado e despenteado, por causa da fantasia. Infelizmente teríamos que usar a fantasia durante todos os ensaios, para a diretora ir fazendo retoques e controlar nosso tamanho. Teylon também parecia estar cansado.

“Vou de ônibus e minha casa fica perto do park, e a sua fica na saída da cidade. O park fica a mais de 5 quilômetros do seu caminho. Não quero dar trabalho”.

“Sério, posso te dar uma carona” ele sorriu, cansado. Olhei para ele, sorrindo também. Sacudi a cabeça. “Tudo bem. Então, nos vemos amanhã no colégio”.

“Boa noite”.

Teylon foi embora, no carro do pai que o esperava do outro lado da rua.

Caminhei durante alguns segundos, na calçada. Pelo lado de fora eu conseguia ver os tijolos vermelhos da construção do teatro. A noite estava quente e agradável, do meu lado, na avenida, passava muitos carros. O local estava movimentado e iluminado, não havia com o que me preocupar.

Estava chegando perto do ponto de ônibus quando vi uma sombra se mover atrás de uma árvore, diante de mim. Olhei para trás, um casal de duas mulheres estava muito próximo de mim, não parecia provável que qualquer coisa fosse acontecer. Continuei caminhando, em direção a tal árvore.

Uma sombra retirou-se de trás da árvore em um segundo, no outro estava diante de mim. As mulheres começaram a gritar e correram, depois, ao ver que não era nada, começaram a rir, uma da outra. Elas passaram por mim e por Marcus, que não era mais uma sombra.

“Seu idiota, quase me matou de susto” disse, meu peito pulava sem controle. Ele havia me assustado de verdade. Que ideia é essa de se esconder atrás de uma árvore?

Marcus não me respondeu, ele me atacou, segurando minhas mãos e imobilizando meu corpo. Olhei para ele e vi que estava com a mão armada para me bater. Eu iria apanhar por ter feito ele de palhaço no dia da festa, quando Thales lhe bateu e no teatro, quando a diretora o pegou pelas orelhas. Ele estava escondido na árvore para se vingar. E havia conseguido. Só faltava dar o golpe.

Por fim a única coisa que Marcus fez foi dar-me um soco nas costas, de leve.

“Você não vale a pena” ele me soltou. Ficando ao meu lado, percebi, ligeiramente, que ele era alguns centímetros mais alto que eu imaginei que fosse.

“Agora me deixa ir embora?” disparei, olhando para as moças, elas já estavam virando uma curva na calçada. Eu deveria estar na frente delas, sumindo de vista e chegando no ponto de ônibus.

“A propósito, onde mora?” ele parecia, sinceramente, interessado em saber onde ficava a minha casa. Contudo não iria baixar a guarda com ele.

“Pra quê? Quer furtar minha casa ou ir lá me matar?” disse voltando a caminhar, sem dar muita atenção para ele.

Marcus ficou andando do meu lado. Ele esperou alguns segundos, acho que estava esperando para ver se estava brincando ou falando sério. Sem resposta, ele andou mais depressa, ficando na minha frente e falou:

“Desejo que alguém, de verdade, te de uma facada pelas costas, seu viadinho fresco” com essa palavra ele voltou pela calçada. Indo embora, pela direção contraria da que eu estava indo.

Olhei para ele, querendo muito começar a xingar ele e quem sabe, só quem sabe, a mãe dele também. Contudo fiquei olhando a bunda dele, que rebolava enquanto andada, e as palavras simplesmente sumiram. Voltei a caminhar.

Cheguei no ponto de ônibus em cima da hora. Subi no veículo e fui para casa.


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