NÃO SOU GAY - CAP. 23

 

Marcus retirou-se correndo do banheiro, sem sua cueca.

Posteriormente eu não o vi o dia inteiro de aulas. Procurei por ele como um leão no cio, se assim posso me expressara. Mas o fato é que não o encontrei em lugar nenhum. Sala de aulas, piscina onde pratica natação, sala dos técnicos esportivos. Procurei até mesmo a sala da direção, na esperança de encontrá-lo lá depois de sua briga com Thales. Marcus havia sumido completamente do mapa. Nenhum de seus amigos ricos e metidos sabia sobre ele.

Uma grande notícia. Eu não poderia deixar de me sentir culpado, por ter lhe dito sobre Thales e Kamylla.

O meu trabalho foi uma merda completa. Clientes chatos, Edina exigindo demais de todos por causa de uma promoção idiota de 50% de desconto em todos os itens da loja, o local parecia o único lugar seguro no meio de um apocalipse zumbi. Pessoas entravam em manadas dentro da loja. Mais de uma vez tive que segurar no braço de Carlitos quando uns moleques negros entravam na loja e tentavam roubar sapatos. No final Carlitos e eu tivemos que atender os clientes e servir de seguranças na saída da loja. O dia foi verdadeiramente um saco.

O pior de tudo foi que no meio de tantas pessoas e obrigações a cumprir para ganhar o meu dinheiro, eu não poderia ir até a casa de Marcus ou fazer qualquer coisa relacionado a ele.

"Aconteceu alguma coisa?" indagou Carlitos, quando fiquei olhando tempo demais para um rapaz, acompanhado de sua namorada, entrava na loja e se dirigia as lingeries. O tal rapaz me parecia muito com Marcus, por mais de uma vez achei que se tratava de Marcus e uma irmã. "Viu ele pegando alguma coisa? Rafa?!" me chamou Carlitos.

Balancei a cabeça tristonho. "Só estou impressionado com a semelhança que aquele cara ali tem com um amigo meu" respondi sorrindo para um senhor, usando um terno descolorido, que se aproximava de mim. "O senhor gostou de alguma coisa em especial?" indagay a ele, como Carlitos havia me ensinado.

"Sim, eu gostaria de...." e lá estava eu, preso a esse senhor enquanto Marcus e Thales poderiam estar se matando. Droga.

O expediente terminou quase mil anos depois. Eu deveria estar morto de cansaço e nem deveria pensar em sair correndo, como sai, depois de conversar com Carlitos. Contudo a adrenalina havia entrado em minhas veias.

"Vamos comemorar os três furtos que impedimos tomando uma cerveja?" ele propôs sorridente para mim, enquanto dobrávamos as roupas. Edina estava no caixa, contando o dinheiro. Monise e outra garota limpavam o chão. É impressionante o que as pessoas podem deixar para trás.

"Tenho que ir correndo para a minha casa, preciso fazer o dever de casa e ir ao teatro" menti para ele. Eu iria, na verdade, até a casa de Marcus. Tinha uma necessidade extrema de saber como ele estava.

Dei um sorriso ao perceber que eu estava, sinceramente e sem quaisquer motivos obscuros, preocupado com a pessoa com quem sempre brigava. Todos meus encontros com Marcus acabaram de certa forma em agressão, física e/ou verbal, e eu estava mesmo querendo saber se ele estava bem.

"Boa sorte com o seu ensaio".

"Obrigado" e assim terminei tudo que deveria fazer na loja. Fui para casa o mais prontamente possível.

Ao entrar pela porta da frente, encontrei um bilhete escrito a mão com poucas palavras, na letra circular de minha mãe. O bilhete estava debaixo de um copo, que por sinal ainda estava suado. Como os copos ficam depois de alguém tomar algo quente ou frio neles. E esse suor complicou um pouco minha leitura. Dizia:

"EU E SEU PAI ESTAMOS NA CASA DE UM AMIGO".

Isso me ajudava, sem dúvida, muito. Pois não teria que dar explicações para onde estava indo. E por outro lado era um problema, com meus pais fora de casa, não havia como pegar o carro, isso deixaria minha viagem até a casa de Marcus mais longa.

Suspirei e voltei a por o bilhete no seu lugar.

Corri até meu quarto e lá deixei a mochila do colégio e depois tirei o uniforme da loja e troquei por uma camisa que pegay apressado. Deixando o uniforme do colégio dentro da mochila.

Tudo pronto.

Agora eu precisava ir até a casa de Marcus. Fui até a porta da frente e a abri, nesse exato momento senti meu estômago embrulhar, a vontade de vomitar só não se concretizou, pois a angustia ficou cativa na garganta, impedido que eu falasse qualquer coisa ou respirasse.

Do outro lado da porta, me esperando, estava Thales. Seu rosto moreno estava parcialmente roxo. Principalmente os olhos. Olhei para suas pernas e braços fortes, trabalhados na academia, sua supremacia foi desafiada e vencida! Fiquei com pena de quem quer que tenha enfrentado um negão poderoso como ele.

Até que me lembrei dele....

"Marcus" eu disse, em um sussurro pouco sonoro. Isso foi o suficiente para despertar a ira de Thales. Ele deu um passo largo a frente e me atingiu no rosto com a mão cerrada. Um murro que teria sido perfeito, se meu corpo não tivesse caído alguns centímetros para trás.

"QUE BOM QUE SE LEMBRA DELE, SEU FILHO DA PUTA" berrou Thales, como um alto falante.

Eu cometi o meu segundo erro naquela situação, ao invés de me jogar contra a porta, a fechando, fiquei com medo e recuei. Thales deu um soco na porta, quase a desmontando e entrou na minha casa.

"EU VOU TE MATAR RAFAEL! Pode apostar que vou te matar" ele sussurrou como um louco, a saliva molhando seu rosto doente.

"Eu não te fiz nada" disse com as mãos tremendo. Meu rosto deveria estar vermelho, machucado e possivelmente sangrando, mas não me atrevi a desviar os olhos um segundo sequer dele. Precisava saber qual seria seu próximo movimento e conseguir me livrar dele.

Falando em tamanho e força bruta, Thales era como um leão e eu o pequeno búfalo doente. Era uma causa perdida, então precisava usar minha inteligência ao meu favor. Já que não poderia simplesmente sair no soco. Comecei a traçar uma rota de fuga. A porta estava bloqueada, tinha de haver outro lugar...

"Não fez?" Thales cuspiu com desdém. "Só mandou aquele desgraçado ir até a minha casa. Ele foi, foi sim. E destruiu completamente todos dos nossos instrumentos. Minha banda está fodida por causa daquele maldito! Ele quebrou tudo que viu pela frente, os meus instrumentos, os instrumentos da banda toda. Acabou com tudo! Miserável!".

"Tha-Thales, por favor, eu não mandei ninguém fazer nada. Por favor" pronto, eu estava gaguejando e implorando como um rato mal-afortunado. Thales olhou para mim e sorriu, pois sabia que eu estava tremendo e estava em suas mãos destruidoras.

"Eu vou contar para os seus pais que você é gay" ele ameaçou... não. Era uma promessa, seus olhos diziam que iria cumpri-la a qualquer custo. Isso era o que eu mais temia, perderia minha casa e o teatro. Thales estava me ameaçando com a pior arma de todas.

Maldita seja a hora que me apaixonei por ele.

"Vou dizer para seus pais, tão orgulhosos, que eles têm um filho viado. Que goza sentando no meu pau nos últimos meses.

Eu não disse nada, apenas engoli o que me restava de orgulho e comecei a chorar.

"Thales, por favor, estou te implorando, não brinque com isso".

O infeliz deu uma risada maléfica com o efeito que tudo aquilo estava me causando. Ele veio terrivelmente rápido na minha direção. Era hora de pôr meus planos em ação.

Dei um passo à frente, ameaçando correr pela porta. Como previ, Thales estendeu as mãos e ficou parado, impedindo a minha passagem. Eu a Carlitos havia feito o mesmo gesto o dia todo. Quando fazíamos isso só tínhamos uma chance, Carlitos me dizia, e tínhamos que prestar a atenção, porque enquanto ficássemos de braços esticados estaríamos desprotegidos de qualquer outra investida que não fosse tentar passar pela porta. E era justamente esse meu plano.

Sabia que Thales iria levar algum tempo para perceber uma nova jogada, quando ele ficou esticado, pensando que havia me pegado, girei sobre os calcanhares e corri na direção do meu quarto.

Ele demorou um pouco para me seguir, contudo lá estava ele, atrás de mim enquanto alcançada a maçaneta. Entrei no quarto e tranquei a porta. Não iria me sentir seguro se não colocasse nada na frente da porta. Tirei tudo de cima da minha cama, e coloquei a estrutura na porta.

Agora precisava de um segundo plano. Minha primeira meta havia sido completada. Precisava dobrar a meta.

O celular, é claro. Peguei o celular e disquei o número da polícia e liguei.

Foi então que Buda iluminou minha mente. Eu não poderia ligar para a polícia, quando eles chegassem e levassem Thales preso, iriam querer esperar por meus pais e até conseguia imaginar a cena.

"Senhora, esse rapaz agrediu o seu filho. E o acusa de ser homossexual. Senhora, senhora, senhora?" o policial iria chamar minha mãe várias vezes, mas ela não estaria mais ouvindo ele, estaria no meu pescoço, me matando.

Se ligasse para a polícia estaria apenas ajudando Thales. Então quando ouvi a voz de uma mulher do outro lado da linha dizendo: "190, emergência, algum problema?", desliguei na hora.

Comecei a chorar de desespero.

Maldição!

Thales tentava derrubar a porta do meu quarto para me matar. Tinha quase a certeza que ele estava com uma faca para terminar o serviço, ou algo assim. Pois ouvia o som metálico do outro lado.

Pensando mais um pouco a resposta estava bem diante de mim.

Peguei novamente o celular e entrei no Facebook, o próximo passo foi correr minha lista de contatos, procurando por Marcus. Marcus não estava online, quis jogar o celular no chão, mas mandei uma mensagem mesmo assim: SOCORO OTHALES TA NA MINHA CS. EL VAI ME MATA.

Sabia que tinha escrito tudo errado, contudo mandei. Com as mãos tremendo não tinha tempo para responder. Fiquei com o coração batendo forte. Quase um minuto depois que mandei a mensagem, vi que Marcus ficou online e visualizou. Para o meu desespero ele não respondeu. Desconectou sem me ajudar!

A porta ficou completamente silenciosa. De repente ouvi Toc. Toc. O som fez o sangue nas minhas veias se congelar.

Toc. Toc.

Minha cabeça poderia ter perdido completamente a razão ouvindo esse som funesto.

"Rafinha, advinha quem conseguiu entrar?".

Thales empurrou a cama para longe da porta. Aparentemente não possuía nenhuma arma na mão. Mas sabia que estava com ele. Tinha de existir algo nas suas costas, pela forma rígida que ele se dirigiu para mim.

Contando que isso o atrasasse tempo suficiente. Cruzei o quarto na direção da janela em segundos e me joguei por ela. Não sabia como iria cair, se iria quebrar o pé, um braço ou o pescoço tentando. Apenas mergulhei.

Cai em cima do tornozelo, a dor me fez mijar nas calças. Thales não deu a volta na casa. Para minha desgraça ele pulou a mesma janela, agora com o canivete na mão. Thales caiu perfeitamente na minha frente, sem se machucar.

"Eu falei que vou te matar" ele repetiu com seu sorriso sombrio.

Olhei para a rua. Com a porra do pé machucado ele iria me alcançar se eu corresse. Então fiquei parado ali. Desistindo de sobreviver.

Fechei os olhos ao ver que ele vinha me pegar.

Meu corpo estava adentrando em estado de choque.

De repente ouvi um estalo como de um corpo caindo de três andares. Abri os olhos o mais depressa possível e vi Marcus com seus pés encravados no peito de Thales e esse estava indo pro chão.

Marcus pegou o canivete de Thales e o enfiou no bolso.

"O que eu te disse sobre tentar alguma coisa contra o Rafael?" indagou Marcus, quase gritando. Ele havia brigado com Thales, agora eu entendia. Além de destruir os instrumentos, Marcus deu uma surra em Thales.

Por já ter levado uns tapas, e saber do que o outro era capaz, Thales se levantou e não disse nada. Começou a correr em direção ao seu carro estacionado na frente da minha casa.

"Se tentar chegar perto de novo do Rafael, juro que pego a arma do meu pai e a situação não vai ser nada legal para você" ameaçou Marcus, o seguindo até o veículo.

Fiquei ali no chão. Agora, depois de todo o medo, conseguia chorar. Olhei para Thales antes dele ir embora e juntei todas as forças para gritar:

"EU SEMPRE ACHEI SUA MÚSICA UM LIXO!".

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