NÃO SOU GAY - CAP. 28
Passei os dois piores dias da minha
vida (naquele momento mal imaginava que minha vida seria muito pior do que
aquilo depois que conseguisse a liberdade) na cadeia. Não sei para onde levaram
Marcus, o resto realmente não me interessava. Marcus não ficou na mesma cela
que eu. Tinha quase certeza que o motivo era nosso "crime", as
autoridades argumentavam entre si que seria um favor nos prender juntos.
Meus pais? Nem sabia mais se tinha ou
não família. Tudo indicava que um apocalipse zumbi tinha acontecido e eu,
apenas eu, tinha permanecido vivo. No primeiro dia eu passei a noite chorando,
fui dormir já era quatro e meia da manhã, ou perto disso. Tudo que eu queria
era gritar na cara deles que iria sair por cima de toda aquela porcaria. Que
não me importava com a atitude deles. Se iriam me abandonar eu me recusava a
fazer a carinha de cachorro vira-lata. Eles que sejam felizes. O Budismo não
permitia que eu sentisse ódio deles. Então era isso, aos 17 anos, fui preso
acusado de um crime que não cometi, perdia minha família, literalmente. Não
tinha para onde ir, também, estava sem casa. Nas últimas 24 horas vi o meu
futuro brilhante de ator descer em uma espiral molhada de lágrimas solitárias
no meio da noite.
Tudo por culpa daqueles morféticos
filhos da mãe.
"Você tem direito a uma
ligação" me disse a policial que estava me levando para a cela, no dia em
que cheguei. Não sei por que estava pensando nisso justamente agora. Talvez
fosse a falta do que fazer ali dentro, então ficava voltando tudo que me aconteceu
várias vezes na cabeça. Talvez. "Ligação" repeti. Olhei para o rosto
acuado de Marcus, a única pessoa com quem eu poderia contar. A nossa dupla se
saiu muito bem. Um time e tanto!
"Posso ligar para um amigo? Mas
não sei o número dele" disse a ela, me lembrando de Teylon. Queria saber
que notícias ele tinha para me contar: ruins e boas.
"Por deus garoto, fala sério,
ligar para um amigo? Cadê o amor aos pais?" Ela parecia indignada, e
analisando agora, sentado nessa porcaria de cama dura, o seu rosto estava com
um pouco de maquiagem, não sabia se era permitido isso. Será que era?
Apontei para dois sujeitos que
estavam bem longe de nós, não dirigiram nenhum olhar para nós. "Eles estão
ali, mas acho que não ligam pro filho".
Isso a deixou sem saber o que dizer
por um momento. Ela murmurou algo como "me acompanhe" e fomos para
minha nova casa.
Sabia que a polícia tinha assassinos
e roubos mais graves para resolver. Isso me colocava por tempo indeterminado
naquela porcaria de cela.
De repente me levantei, parando de
lembrar do dia em que chegay. Comecei a olhar a minha volta. Minha cela ficava
em um corredor, era uma das muitas, na minha frente tinha uma pequena porta com
aço reforçado e o resto era paredes fortes de concreto, sem cor. Conseguia ver as
imperfeições da construção acelerada. Apesar de saber que tinha alguém na minha
frente, eu não conseguia ver, pois a minha porta dava para a parede da sala da
frente, e a porta dele ficava na frente da minha parede. Sem qualquer contato!
O local tinha uma cama simples e
dura. Só isso. Mais nada. Logo descobri porque a cama era dura, era formada por
um colchão sobre uma estrutura de concreto. Não tinha qualquer objeto no local
que eu pudesse usar para me cortar (não que isso tenha passado por minha cabeça)
ou fugir.
Demorei para acostumar-me com a ideia
de que não estava em uma sala comum e que tudo ali havia sido cuidadosamente
planejado por uma equipe de engenheiros. O trabalho final havia saído porco, as
paredes e o chão eram irregulares, mas não tinha falhas. Sair dali era somente
possível pela porta de aço! Seria mais fácil cavar um buraco no chão de
concreto com minhas unhas do que roer a porta com os dentes.
Deixei de reparar ao meu redor, já
entediado, e fui sentar novamente. Fiquei no chão, encarando a porta.
Ouvi o som inconfundível de saltos
plataforma quicando pelo piso cinza do corredor. Uma mulher se aproximava.
Desmotivado fiquei onde estava. De repente uma figura baixinha entrou em foco
na porta, ela vestia uma saia e blusa formal, cobrindo completamente o busto. O
cabelo castanho estava penteado rente ao couro cabeludo e seguro ali por uma
camada discreta de spray fixador. Ela subiu o dedo pelos óculos minúsculos. A
Profª Dorota tinha um olhar severo, mas ele rapidamente se transformou em uma
expressiva pena, ao contemplar minha figura jogada no chão.
"A senhora tem 10 minutos"
disse uma policial do outro lado da porta, estava atrás da parede, eu não vi
quem era.
Dei um rápido pulo e corri até a
Profª Dorota, desesperado.
"Rafael, gostaria de ser educada
e saber como está e como tem se sentido. Mas precisamos ser práticos. Primeiro
me conte, alguém tocou em você? Detento ou oficial? ".
"Não, professora" disse
tentando recordar se alguém tinha pelo menos feito algum gesto obsceno para
mim. Ninguém fez nada. E durante minhas 24 horas de confinamento só havia visto
policiais femininas.
Profª Dorota suspirou aliviada, logo
seguiu para a próxima indagação: "Eu preciso que seja sincero comigo,
Rafael. Se você participou de algum modo com a exibição do filme, seja sincero,
pois só assim poderei te ajudar..."
Interrompi a frase dela com uma crise
de mãos para o ar.
"Eu não tenho nada a ver com
aquilo! Por favor, acredite em mim. Sabe o Marcus? " Ela fez um aceno
positivo com a cabeça. "Eu nunca toquei nele. A senhora tem que acreditar
em mim. Ele sempre andava comigo justamente porque sabíamos que o Thales iria
tentar alguma coisa contra a gente.
"Por que ele iria tentar? "
Diante desse questionamento tive que resumir a minha vida nas últimas semanas.
Comecei falando do sábado que
encontrei Thales e Kamylla na cama. Depois Marcus foi até a casa de Thales e
quebrou tudo. Posteriormente foi a vez de Thales aparecer na minha casa. Contei
que Marcus me salvou e que depois disso passamos a andar juntos. Quando
terminei de contar suspirei lentamente e percebi que estava chorando. Tinha
medo de algo acontecer com Marcus e principalmente estava com saudades dele.
"Se o que você acabou de me
dizer puder ser provado perante um juiz, você e Marcus sairão dessa história
sem nenhuma sequela. Agora o caso de Thales é completamente diferente. Me
informei no colégio e vi que ele completa dezenove anos daqui duas quizenas.
Entende a gravidade da brincadeira? Kamylla também não tem muita sorte, fez
dezoito anos ontem" Dorota olhou complacente para mim. No final ela estava
preocupada com todos seus alunos. Mas eu ego dizia que eu era sua maior
preocupação. Thales e Kamylla iriam apenas assumir as responsabilidades por
seus atos, a família de Marcus estava do lado dele, eu me encontrava
abandonado.
"Senhora, o degelado mandou
avisar que o tempo esgotou" ouvi novamente a oficial.
"Por favor, não me deixe
aqui" implorei para a Profª Dorota, segurei nas grades, fazendo força para
arrancar a porta do lugar. "Marcus e eu não tivemos nada a ver com
aquilo" eu gritei enquanto a professora era obrigada a se afastar.
"Estou indo agora mesmo
conversar com meu irmão, ele é advogado" depois disso a perdi de vista.
"Por favor" continuei
gritando mesmo assim.
"Rafael é você? " Senti o
meu coração bater três vezes rápido e depois parou, atômico. Marcus estava me
chamando. Olhei, como pude, em todas as direções. Ele deveria estar como eu,
pulando para a fora da cela, mas não o via.
Ouvir a voz dele depois de tanto
tempo foi como um banho quente com pétalas de rosas.
"Sou eu sim Marcus" gritei
em resposta ao meu amigo.
"Não se preocupe, vamos sair
daqui, nem que eu tenha que estourar esse maldito lugar" Marcus berrava
com toda sua força.
A policial que estava levando Dorota
embora voltou e pediu para que calássemos "a porra da boca". Quando
insisti em ficar pendurado na porta, apanhei com o cassetete e tive que ficar
acuado e calado na fria cela.
Contudo dentro de mim novamente
crescia o ânimo e pensamentos positivos no meio de toda a confusão. A Profª
Dorota iria nos ajudar e Marcus estava perto de mim, ele falou comigo!
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