NÃO SOU GAY - CAP. 24
Os braços de Marcus vieram até mim
inesperadamente e se fecharam em um forte abraço. Eu sentia o quanto a briga e
a ameaça de pegar a arma de fogo do pai o afetavam. Por fora ele olhava o carro
de Thales virar a esquina com uma expressão de raiva, quase psicótica, mas por
dentro era apenas um ser humano tão assustado como eu. Eu fechei os olhos,
aproveitando o máximo nosso primeiro abraço, o primeiro contato, na verdade, em
que nenhum dos dois estavam tentando matar o outro. Isso foi bom. Muito bom.
Nosso abraço só provava uma coisa:
somos todos humanos, que necessitam de contato físico com outro ser quente e
cheiroso.
O abraço estava tão bom, que o
desespero deu lugar a segurança, e com ela veio o medo novamente. Me lembrei
dos minutos antes, parecia muitos dias agora, mas foram apenas alguns minutos:
eu dentro de casa, Thales como um louco fodido correndo atrás de mim com um
canivete e eu me trancando em meu quarto. Depois de pular pela janela, pensei
que era meu fim, mas Marcus foi o herói da vez e me salvou da morte, ou uma
agressividade que seria pior do que a morte. Eu sabia que Thales era forte,
inteligente e vingativo. As coisas não iriam ficar por assim mesmo, ele foi
ameaçado por um cara menor em tamanho, é claro que eu orgulho ficou ferido.
Como todo negão que se preze, ele tinha o orgulho muito grande.
"Eu não acredito que ele tentou
me matar" disse entre os soluços provocados pelo choro. Estava me sentindo
em um filme dramático, onde tinha um ombro amigo para me apoiar. Imaginei que
se alguém escrevesse minha história, daria um filme interessante.
"Eu tomei a situação como
pessoal, vou cuidar de você, então: não se preocupe" era exatamente tudo o
que eu precisava ouvir. Naquele abraço esqueci a arrogância e prepotência de
Marcus, ele parecia o homem que eu tanto busquei em Thales.
Limpei o rosto com a camisa. Marcus
estava em cima de mim, eu ainda jogado no chão. Não fiquei em pé por causa do
tornozelo fraturado. Marcus vestia uma camisa aberta no peito, com manchas de
sangue seco, uma calça rasgada na perna e sapatos sujos de lama e poeira por
todo o corpo. Parecia que ele tinha passado por uma situação difícil.
"O que te aconteceu?"
Indaguei com a voz tremula, a tentativa de deixá-la apática havia falhado
terrivelmente.
"Vamos entrar na sua casa,
Rafael. Tem gente olhando pra nós" sua voz ficou um pouco distante,
conforme ele olhada as pessoas ao nosso redor. Lembrei naquele momento que
tinha vizinhos e que provavelmente boa parte dos fofoqueiros tiveram um
espetáculo incrível.

Me levantei, e com a ajuda de Marcus,
entrei em casa. Pedi para ele trancar a porta da frente. Já havia passado por
surpresas demais naquela tarde. Maldito Thales!
"Agora me conta, como conseguiu
ficar nesse estado e como Thales ficou naquele jeito? Com a cara amassada"
pedi novamente. Queria mudar o foco do assunto para ele e não para mim.
Marcus se sentou ao meu lado, pegou
meu pé, pós em cima do seu colo, tirou o meu tênis, por sorte estava cheirando
a talco, e começou a massagear a região onde um vermelho começava a querer
ganhar uma tonalidade mais roxa.
"Eu sempre torço o tornozelo
quando estou correndo, as vezes uma massagem diminui a dor e, se for bem feita,
pode voltar tudo no lugar" explicou ele, ao ver que eu fiquei olhando para
o pé descalço.
Meu pé doeu terrivelmente quando a
massagem começou. Quase pedi para ele parar com tudo. Todavia lembrei que
precisava ir para o teatro dentro de poucos minutos, não teria tempo de ir ao
hospital. Deixei que ele continuasse.
"Bom, Rafael, quando você me
contou que Thales estava fodendo minha namorada, não pensei duas vezes:
precisava dar um corretivo no sujeito. Sei que me pediu para não fazer nada, e
sei também sobre suas politicas de não violência. Mas ai que está: são suas e
não minhas. Então procurei ele em todos os lugares da escola...."
"Espera um pouco, você procurou
ele de toalha e sem cueca?" Não pude, foi mais forte do que Thales, a dor,
deixar de relembrar o momento em que a tolha de Marcus caiu. Agora eu lembrava
que seu corpo era totalmente sem pelos, e era lógico. Se o saco dele tivesse um
pelo sequer, qualquer um poderia ver pela sunga apertada ao máximo. Seria tão
desagradável. Por isso ele mantinha o pau liso. Isso lhe proporcionava alguns
centímetros a mais, mesmo mole como estava. As coxas dele era tonificadas, dava
a ele uma aparência de um homem três anos mais velho que ele. Coloquei a mão em
cima do meu pau, estava duro com a lembrança. Pude sentir a saliva formar no
fundo da minha boca. Marcus, Marcus, Marcus que pau grosso ele tinha.
"Não. Antes passei no vestiário.
Enfim, o fato é que eu não encontrei o Thales em lugar nenhum. Mais tarde soube
que ele estava na sua casa. Então fui pra lá. A mãe e o pai não sei onde
estavam, mas ele estava conversando com um amigo meio esquisito na porta da
casa. Eu já iria descer do carro, ir até a porta dele e chegar distribuindo
socos, mas fiquei dentro do meu carro ao ver que ele e o amigo se afastaram da
casa. Percebi, com muito prazer, que ele não tinha trancado a porta".
Dei um gemido de dor, Marcus parou a
história e me perguntou o que aconteceu, depois do meu "nada" ele
continuou:
"Isso significava duas coisas:
eu iria entrar, fazer o que me desse vontade e que ele iria voltar bem
rapidinho, ou não teria deixado a porta naquela situação. Eu desci do carro,
entrei na casa e procurei o quarto do fura olho. Não achei nenhum quarto, mas
achei a garagem, onde tinha alguns instrumentos. O fogo consumiu minha razão
naquele momento, meti o pé em tudo. Sabia qual era a guitarra dele. Tinha o
visto tocar naquela festa que fui na casa do outro amigo dele. Peguei aquela
porcaria e meti várias vezes na parede, até ficar apenas um monte de madeira
destruída na minha mão. Fiz um verdadeiro estrago".
"Mas eu estava certo. Thales não
demorou para dar as caras na casa. Sabia que ele tinha ouvido o barulho na
garagem e correu para lá. A primeira coisa que ele fez foi meter os pés no meu
peito, a mesma coisa que eu fiz quando cheguei aqui. Estava apenas retribuindo
o favor. Cai como um cachorro morto em cima do que um dia foi a bateria, ele
pegou um pedaço de pau e veio pra cima de mim. Esperei ele vir confiante, foi
então que meti meu pé no joelho dele. A dor fez ele cair, abracei velozmente um
pedaço de madeira que iria bater na cabeça dele. Mas logo o filho da puta se
recuperou e conseguiu defender o golpe com o pedaço de madeira que iria me
bater. Recuei, então, e comecei a jogar qualquer coisa na direção dele.
Tentando fazer ele soltar o pau, mas o cretino foi esperto, se defendia com o
pedaço de madeira. Precisei de uma segunda ideia. Foi então que me investi
contra ele. Abracei o corpo dele com força, sabia que quanto mais corresse mais
iria doer pra ele. Foi um estralo bonito quando caímos no chão duro. Foi assim
que fiquei com a roupa suja de terra".
"Dei um soco certeiro no nariz
do desgraçado. Ele começou a sangrar e sujou minha camisa toda. De repente
percebi que ele tinha se soltado do abraço, uma mão estava livre, senti sua mão
pegando alguma coisa. O instinto me mandou correr dali, e foi o que fiz, me
jogando para o lado. Senti o canivete cortando minha calça, um centímetro mais
perto teria furado a minha carne. Me machucou, mas sangrou bem pouco, olha
aqui" Marcus, deixou meu pé com cuidado no sofá e subiu a cabeça, via uma
enorme marca brilhosa, com as típicas aguinhas que formam em cima de machucados
como aquele. Fora a evidente falta de pele arrancada pela faca, ele parecia
bem. "Viu? Tive muita sorte. Mas foi bom ele me ameaçar com a faca, foi
nesse momento que consegui liberar toda a minha força. Peguei Thales de jeito,
dando mais socos nele do que imaginei que seria capaz. Ele acertou alguns no
meu peito também, mas só ficaram vermelhos e depois a cor sumiu".
"Mas a coisa não acabou ainda.
Não fui para casa, porque sabia que meu pais iriam dar azia na minha cabeça.
Fiquei ali na rua da casa de Thales. Sabia que ele iria tentar alguma coisa,
havia destruído tudo o que ele tinha na vida. Passaram-se quase três horas
quando ele saiu com o carro do pai dele. Foi tão rápido que não deu tempo de
ver se estava carregando alguma coisa. Segui o carro pela cidade, depois de um
tempo ele passou pelo nosso ponto de ônibus" nessa parte comecei a sorrir.
Marcus deveria estar se referindo ao ponto de ônibus onde brigamos algumas
vezes e onde tive o primeiro sonho com ele. "Naquela altura eu já sabia
para onde ele estava indo, minha casa e a da Kamylla ficam pro outro lado. Eu
sabia para onde ele estava indo. Só não sabia se iria chegar a tempo, pois ele
correu feito um doido. Tentei fazer o mesmo, mas fui parado por um policial,
ganhei uma multa de 120 reais. Droga. Estava saindo com o carro novamente
quando o meu celular vibrou no meu bolso. Olhei e vi que era uma mensagem do
Rafael, entrei como pude no Messenger dirigindo apressado e vi que Thales já
tinha chegado. Foi por isso que não respondi, apenas visualizei. Não tinha
tempo, mandei o policial ir se foder e meti o pé no acelerador. Então eu
cheguei na sua casa, vi o carro parado na rua, a porta da frente aberta. Meu
coração apertou e a garganta amargou. Respirei aliviado quando vi você caindo
da janela. Um segundo depois vi Thales mergulhar atrás de você. O resto você já
sabe o que acontece, Rafael".
"Muito obrigado por ter
aparecido aqui. Muitos caras nem iriam se dar ao trabalho. Afinal já brigamos
mais vezes que eu posso lembrar e não tinha obrigação de vir" eu disse,
respirando com cuidado para manter o choro sobre controle.
"Rafael, você tinha me ajudado,
eu só retribui o serviço. E agora somos uma equipe, não deixo minha equipe na
mão" ele sorriu, arrogante novamente. Nunca achei que iria ficar feliz ao
ver ser sorriso de Ser Superior.
"Uma equipe? De onde tira essas
ideias?" Indaguei, relaxado o suficiente para esquecer que meu pé doía, na
verdade não sentia mais tanta dor.
"De um livro que eu li. E de
agora em diante temos que ficar juntos, não o tempo todo. Mas se alguma coisa
te acontecer, ou ver que vai acontecer, pode me chamar. Eu te peço o mesmo. As
vezes pode saber de alguma coisa que me ajude. Entendeu?".
"Não sei se isso vai funcionar,
ou realmente nos ajudar, mas estou com medo demais para me achar o bom da
boca" disse olhando para Marcus, realmente olhando para ele, nos olhos.
Ele manteve o olhar. Senti que ele
poderia me pedir para tirar a roupa e servir de escravo sexual para ele que eu
faria sem questionar. O seu rosto lindo conseguia me conquistar e me fazer
desejá-lo. Sem contar que eu tinha visto seu pau grosso, isso deixava as coisas
um pouco mais complicadas.
"Marcus, preciso ficar
sozinho" pedi depois de um tempo. Aprendi suficiente com o meu último
namorado para não querer me apaixonar de novo, e se ele continuasse me olhando
daquele jeito, eu estaria louco de amor por ele em dois minutos. O que seria
uma desgraça enorme, já que, em hipótese alguma o amor seria reciproco. Já que
Marcus não é gay!
"Tudo bem. Vai ao teatro hoje,
não vai? Eu vou para casa e te encontro lá. Não vou deixar Thales se aproximar
de você...."
Ele iria continuar, mas o interrompi.
Essa aproximação dele só iria agravar a nossa relação. Eu poderia cuidar de mim
mesmo, por hoje. Afinal estaria no teatro, minha mãe iria me levar e buscar.
Thales não me poderia fazer nada.
"Não precisa. Vou ficar
bem".
"Não vai, Rafael. Deixa de ser
parvo. Ele vai chegar por trás e enfiar aquele canivete no seu pescoço".
"Não exagera, e não me chama de
parvo, por favor".
"Eu chamo sim, está sendo um
grande parvo agora".
"Ah, vai se foder" gritei
nervoso por ser chamado de parvo. Tirei meu pé de cima do corpo de Marcus e
olhei feio para ele. "Fecha a porta quando sair, sou estúpido demais para
fechar".
"É, deve ser mesmo. Porque
deixou o Thales entrar".
Mostrei o dedo do meio, bem na frente
do meu corpo, e depois a língua para Marcus.
"Enfia esse dedo no seu cu"
ele gritou, caminhando para a porta. Com bufadas nervosas. "Mas você gosta
disso, né Rafael, melhor deixar quieto".
"Vai a merda" disse depois
que ele fechou a porta, com o dedo ainda em posição. Sabia que se eu não
estivesse machucado ele teria pulado em cima de mim, mas não ligava. E como
sempre nossa conversa havia terminado em discussão.
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