NÃO SOU GAY - CAP. 22
Alguns dias se passaram desde o incidente na casa de Thales. Nesses dias me dei o luxo ficar em casa. Nas primeiras horas eu destruí tudo, e qualquer coisa, que me lembrasse de Thales: fotos, vídeos gravados juntos, presentes, uma cueca dele que roubei.
Primeiro deletei todas as fotos
salvas no pc e depois no celular. Essas foram fáceis. O difícil foi quebrar
dois quadros que eu tinha junto com ele, tirar a foto de dentro e começar a
rasgar. Até que foi fácil por um lado, visto que a fotografia estava molhada
com minhas lagrimas. Segundo veio os vídeos, deletei todos
A coisa mais difícil foi me desfazer
dos presentes. Tinha o velho urso de pelúcia que ganhei de Thales quando fomos
ao parque, um dos primeiros encontros que fomos como namorados. Ele ganhou o
urso atirando em patos. Nunca vi ninguém, que não fosse policial, ter a mesma
mira que Thales. Impressionante como ele acertou todos os alvos e me ganhou o
urso. Agora enfio a tesoura no bicho e jogo a pelúcia para todos os lados.
Não pense que não fiz isso chorando.
Naquela época era uma criança ignorante e fazer o que fiz precisou de muita
força de vontade e de muito choro. Aproveitando que meus pais iam trabalhar,
trancava a porta, começava a chorar e destruir tudo. Quando parava de chorar,
limpava o quarto e tudo ia pro lixo. Quanto a cueca, eu a queimei no quintal.
Logo nos primeiros dias meu quarto
mudou tragicamente. Os ursos, fotos, pôsteres de filmes antigos, anos 80, foram
todos descartados. Deixando a parede fria e o piso sem graça ainda mais inanimado.
O quarto passou de um adolescente, para o de um prisioneiro. E era assim mesmo
que me sentia.
A única coisa, devo ressaltar, que
nunca mudou foi a minha estatueta de Buda, um pequeno ídolo de dez centímetros,
feito a ouro, ao lado de alguns itens sagrados no Budismo. Isso nunca vai
mudar, por homem nenhum.
No terceiro dia, depois da destruição
do meu quarto e muita reza para meu deus, pedindo forças, meus pais apareceram
na porta do meu esconderijo.
“Ei, garotão, vamos ao cinema, vem
com a gente” chamou o meu pai. Eu estava na cama, deitado e olhando pro teto.
Não olhei para ele quando disse: “vou
ficar aqui”.
Minha mãe apareceu na porta também,
mas ele teve a gentileza de chamar ela para fora. Assim me deixaram em paz.
*****
E esse estado depressivo, passei
quase uma semana. Nem mesmo ao teatro eu fui.
Contudo não poderia, mesmo desejando
muito, ficar na minha cama rezando para Buda, pedindo que um meteoro do tamanho
de Nova Iorque atingisse a minha cabeça. Uma hora eu teria que voltar para a
escola, para Thales, Kamylla, Marcus, Teylon e todo o resto. O mal deveria ser
enfrentado uma hora.
“Resolveu sair da sua cama?” brincou
meu pai, ao me ver entrando na cozinha, com minha mochila caída no meu ombro.
“A dor de cabeça passou, filho?” indagou
minha mãe, vindo até mim e beijando meu rosto. Ela tirou a mochila das minhas
costas e a colocou na cadeira, depois me pôs sentado nela. Minha mãe serviu
leite e cereal.
Meu pai não queria me deixar em casa
por uma semana, contudo minha mãe foi boa em me deixar ficar, e faltar do
trabalho. Ela disse: “Eu estou exigindo demais do meu pequeno, escola, trabalho
e teatro. É muita coisa para uma criança. Mas vai precisar ligar para o
Carlitos e dizer que ficou de cama, quando der eu vou conversar com Edina, ela
é a melhor pessoa do mundo, vai entender. Agora descanse”.
“Estou levando, mãe”, queria
continuar e dizer: estou levando, mas não estou bem. Contudo isso estava fora
da questão. Meus pais não sabiam qual era o motivo da minha depressão
repentina. Estava longe de suas mentes que fora o meu namorado o causador de
tudo isso. O meu tratamento teria sido diferente se eles soubessem, como
descobri semanas mais tarde.
“Eu vou te dar uma carona para a
aula” ofereceu meu pai, sorrindo para mim. Dei um aceno com a cabeça, depois
coloquei a colher na boca, mastiguei o cereal sem animo algum e tornei a
mergulhas a colher no leite, depois mastigar.
Minha manhã foi completamente igual,
movimentos programados, robotizados, estava sem consciência do que fazia.
Me sentei na cadeira, para a aula de
inglês. Imaginei ouvir Teylon me dizer “finalmente voltou, por que faltou uma
semana ao teatro?”, mas não respondi a isso. Pus a mochila na mesa, deitei em
cima dela e fechei os olhos. O que valia mesmo para a aula era presença, e não
sua participação.
“Rafael, ei Rafa! Tá me ouvindo seu
chato?!” indagou Helena, com um grito. Não estava dormindo, conseguia ouvir a
chatice que o professor de matemática insistia em dizer, e na conversa paralela
dos alunos antes do sinal tocar. Foi então que ouvi Helena me chamar, mas não
respondi de imediato, fiquei analisando se valia ou não a pena. “Rafael seu
cachorro, me responde”.
Abri os olhos. Levei um susto quando
a visão ficou focada e vi a diretora do teatro, Laura, diante de mim. Ao
perceber que eu acordei, ela sorriu e me aproximou de mim, ficou de joelhos e
pegou minha mão.
“Obrigado pessoal” ela agradeceu
Helena, Fabrício e Teylon, que saíram da sala, nos deixando sozinhos. “Rafa sei
que todos temos problemas, está nítido para mim que passa por uma fase difícil,
eu realmente o entendo, mas, me perdoe, eu preciso saber se vai voltar aos
ensaios. Você é minha estrela, o escolhi por que vejo o seu potencial. E está
fazendo falta” ela ainda segura minha mão, sorrindo para mim.
“Desculpe diretora, eu achei que meus
pais tivessem ligado para a senhora...
“Eles me ligaram Rafa, mas precisava
conversar contigo pessoalmente”
“... eu realmente sinto muito. Eu vou
voltar hoje à noite aos ensaios”.
“Muito obrigada” ela, então, deixa a
minha mão sorrindo, se levanta e vai embora.
Depois de uns segundos, apenas Teylon
volta para a sala deserta, todos os outros estão no intervalo.
“Vai me dizer o que está
acontecendo?” ele se senta na minha frente. Volto a encara o chão. “Porra Rafa,
sou teu melhor amigo, e de repente some da escola, do teatro e agora não quer
me dizer nada?”.
“Eu peguei o Thales fodendo a
Kamylla” disse o nome da vadia com tanto desprezo que ele logo notou que
poderia ser apenas uma Kamylla.
“Aquela safada não tem namorado?”.
“Isso não impediu a boceta dela de
ficar molhadinha dando pro meu ex-namorado. Que alias, não foi na minha casa.
Não mandou uma mensagem no Facebook ou e-mail, não fez porra nenhuma”.
“O Thales é um filho da puta bem
grande, é isso que ele é” vejo os olhos do meu amigo ficarem furiosos, e com o
seu cabelo vermelho, ele fica ainda mais assustador. Dou um sorriso fraco para
ele. Teylon retribui o sorriso. “Se eu fosse maior, e tivesse mais corpo, iria
dar uma surra nele”.
“Não, eu não estou pensando em
vingança, isso inclui mandar alguém bater nele, ou até mesmo ficar com outro
cara na frente dele”.
“Eu estava pensando nisso agora, você
poderia arrumar um amigo... Se não achar ninguém eu posso ser o namorado falso.
Nós podemos....”
“Não Teylon, não estou te contando
isso para me ajudar a preparar uma vingança. Sei que uma hora essa dor vai
passar, e vai passar ainda mais rápido se eu não procurar o mal”.
“Você e seus ensinamentos Budistas.
Mas se quer assim: tudo bem”.
“Vou mijar, estou quase morrendo de
vontade” me levantei apresado.
“Vou contigo” propôs Teylon.
“Pra quê?” investiguei já saindo da
sala.
“Alguém precisa balançar seu pau” parei
de caminhar, olhando fixo para o rosto de Teylon. Ele começou a rir, e entendi
que era uma piada. Para me deixar melhor. Ele tomou outro caminho, indo na
direção da cantina, e segui para o banheiro.
Antes de concluir o meu proposito, vi
Marcus andando na minha direção. Ele estava com a tolha na cintura, o cabelo
negro molhado, e as sobrancelhas arrogantes levantadas. Seu lindo corpo reluzia
as luzes florescentes. Como não estava com vontade de encarar ninguém, muito
menos o outro cara que foi chifrado na minha tragédia, virei os calcanhares e
decidi usar os banheiros dos professores.
Já estava de costas quando ouvi
alguém gritar meu nome, “Espera, Rafael”, e segurar meu braço, me impedindo de
continuar.
“Olha Marcus, minha cota de caras
idiotas está supercarregada, muito mais do que a lista de hospital que atende
pelo SUS, então, se quer aquela sua vingança idiota que me prometeu, é melhor
pegar o seu CPF e ir pro final da fila” disse tirando a mão dele de cima de
mim, minha voz estava misturada com ironia e fracasso”.
“Não seja idiota, Rafael, eu vim
conversar contigo, na boa” me perguntei se ele conversa com as pessoas usando
penas essa toalha e sunga, no meio do corredor. Seu corpo estava cheirando a
sabonete.
Minha bexiga estava ficando comprimida.
“Então fala logo”.
“Eu notei que ficou afastado um pouco
do colégio, Rafael, e fiquei muito triste com isso. Sei que na nossa última
briga eu te bati com força, e isso deve ter mesmo te machucado. Fiquei muito
preocupado mesmo, e me sentindo culpado”.
Não tinha tempo para aquilo.
Dei um suspiro impaciente,
indiferente e acrescentei: “vai pra puta que te pariu, Marcus”.
Eu corri em direção ao banheiro, ou
iria mesmo mijar nas calças. Entrei em um boxe, deixei a porta aberta e comecei
a urinar. A cueca estava quase ficando molhada.
Ouvi a voz de Marcus mandando um
garoto raquítico, que não dei muita atenção, sair do banheiro. E o idiota saiu
mesmo, fiquei com raiva do garoto, pois agora eu estava sozinho com o meu único
inimigo.
Quando terminei, Marcus veio como um
leão na minha direção. Sua mão bateu com força no meu ombro.
“Minha mãe não é uma puta” ele disse,
dando um empurram, que mais parecia um soco bem dado.
“Marcus, por favor, me deixa em paz,
porra” implorei a ele, esquecendo a regra de não dizer palavrão. Estava
com a cabeça tão cheia que não tinha tempo para discutir com Marcus. Se ele
insistisse nisso eu já até sabia como tudo iria terminar. E não era nada bom
para mim.
“Vou te deixar em paz, quando me
pedir desculpas, seu otário” e então ele me deu um novo soco no ombro.
Essa foi a última gota que minha
cabeça aguentava controlar. Logo senti os olhos ficarem inchados e o choro
acompanhou a respiração acelerada. Era a segunda vez que estava chorando na
frente de Marcus por outro cara. E ele novamente foi pego de surpresa.
Seus olhos se arregalaram.
Sem dizer nada, Marcus me encarou, os
olhos verdes lindamente assustados. A boca pequena entreaberta. Ele colocou a
mão na toalha, tirou e voltou a por, nervoso sem saber o que fazer.
“Rafael, o que aconteceu?” indagou
Marcus, com seus olhos ansiosos.
Olhei para ele e a única coisa que
consegui foi chorar mais e mais. No fundo eu não desejava o mal para Marcus,
contudo ele não poderia viver na mesma ignorância que eu estava vivendo. Ele
precisava, deveria, tinha o direito de saber a verdade.
Sabia que isso iria ser um choque
para ele o quanto estava sendo para mim mas: que a verdade seja dita!
“Eu não fiquei afastado do colégio
por que brigamos. Eu... Marcus, por favor, não pense que eu vim aqui correndo,
como a pessoa vingativa. Só estou te contando isso por que eu gosto de ti e não
acho certo o que fizeram....” Não consegui ir além disso, as palavras faziam
meu peito pular acelerado e a garganta se contorcer.
“Quem fez o quê? Não consigo
entender, Rafael” contudo algo na expressão de Marcus revelava que ele possuía
a mínima ideia do que poderia ser, embora rejeitasse esse pensamento, ele ainda
permanecia lá.
“Thales e Kamylla. Eu os vi juntos. E
quando digo juntos quero dizer que: ele estava com o pau dele dentro da boceta
dela....
Não precisava dizer mais nada. E não
conseguira. Os meus olhos ficaram transbordando, mas já não chorava mais.
Fiquei olhando para ele. Apenas olhando.
“Eles devem ter se conhecido no dia
que Thales foi ao teatro, foi por isso que ela não queria ir na festa da banda
dele. Eu achei mesmo estranho ela ser convidada, eu não conheço nenhum
deles.... Desde aquele dia.... Agora tudo faz sentido...
Marcus começou a conversar sozinho,
aparentemente havia esquecido que dividíamos o mesmo banheiro. Seu rosto ficou
rubro, depois seus olhos encontraram os meus, onde a verdade se confirmava.
Ele se afastou, tropeçando no próprio
pé. A toalha de Marcus caiu por seu corpo ainda molhado. Ele não estava usando
uma sunga como imaginei. Seu corpo ficou completamente nu diante dos meus
olhos. Eu vi seu pau murcho, mas estava triste demais para fazer qualquer coisa
além de ver e virar o rosto.
Fui até ele, peguei a toalha e lhe
entreguei. Enquanto o nadador brigão olhava para o meu rosto assustado.
“Tem certeza disso?” murmurou Marcus,
seus olhos estavam fixos em mim, pedindo para que não fosse verdade.
Balancei a cabeça, confirmando.
Marcus recolocou a toalha, cobrindo
seu pau, e saiu do banheiro pisando fundo. Mesmo quando brigamos ele ainda é
calmo, sempre está no controle, contudo, naquela vez ele saiu do banheiro como
um verdade alucinado, deixando a razão e seu lado calmo para trás.
Não o segui. A tempestade iria chegar
em Thales de qualquer jeito. E estava indo sem cueca.
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